Cidades

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Nascido ou adotado: tudo passa pelas águas do Rio Sono

14/07/2013 09h24 - Atualizado em 14/07/2013 09h24

Marcos André Silva Oliveira
Professor de Língua Portuguesa


O que veio antes ficou apenas como diversão, como o olhar do turista, não que seja menos ou ruim, mas é superficial, é passageiro, tem hora para começar e terminar. Chegar como morador em 10 de janeiro de 2008 me propiciou outra visão, outra perspectiva. O deleite de uma Pedro Afonso que se avoluma a cada julho se tornou diário, se tornou constante. O que antes me encantava apenas na grafia de Bernardo Élis, com sua narrativa historicamente rica, com seus jagunços armados com facas e espingardas, seu tronco massacrante e o lendário pé de fruta pão, hoje me envereda a cada novo amanhecer.

Há muitos fatores que me fazem amar e admirar essa terra que aprendi a sentir como sendo parte de um eu, que embora não tenha a natalidade, se orgulha em dizer que o enraizamento se fez para além do nascimento, se fez pelo amor a primeira vista, pela admiração por uma história que embora seja contada e recontada é sempre passível de uma nova leitura, de um novo olhar, de uma interpretação diferente.

Pedro Afonso me encanta, também, pela familiaridade entre as pessoas, pelo respeito com nomes e sobrenomes, tudo isso, a mim soa um tanto quanto mítico, uma cidade que encantaria Edgar Poe, ou deixaria boquiaberto Graciliano Ramos, e que certamente seria um atrativo ao olhar atento de Rachel de Queiróz, e que sem sombra de dúvidas seria inspiração para Renato Russo. Tudo aqui tem aroma de proximidade, até mesmo quem você não conhece por nome, não se furta ao aceno tipicamente afetuoso, ao aperto de mão outrora comum, hoje privilegio dos que ainda tem a honra de morar nos chãos interioranos.

A cidade de Pedro Afonso não foi um plano, foi um acontecimento, mas, não tenho receio em afirmar que esse foi um dos melhores desígnios de Deus para minha existência. Vindo de uma realidade que pouco me ofertava, de uma família com pouco atrativo para o olhar dos políticos, me lancei na aventura, e aqui tive oportunidades que a mim foram dadas não pela adesão a essa ou aquela ideologia, mas por méritos talhados com suor, com a força e o esforço de quem sabe o gosto amargo da ausência de uma alimentação com todos os nutrientes, da falta de uma vestimenta digna, do distanciamentodo centro da existência humana, em suma, apenas metáforas para a verdade: sou mais um Silva que venceu nesse imenso Brasil, e o melhor, em solo pedroafonsino.

Escrever esse artigo foi um quadro pintado com todo cuidado e sob o medo constante em cair no erro, precisei escolher as cores mais leves para que determinadas partes não desembocassem no gosto duvidoso, e em determinados momentos caprichei nos tons escarlates, porque não há grandes histórias, ou grandes pinturas produzidas apenas com sorrisos. E como todo início, Pedro Afonso se revelou a mim como um mundo novo, cheio de novos obstáculos, mas nenhum deles, nem mesmo o atraso de pagamento ao final de 12 longos meses, um deles até hoje perdido em meio aos porões da burocracia, me fizeram percorrer os caminhos do retorno, porque não é permitido voltar aos que se pretendem maiores que as dores, mais fortes que as lágrimas, e mais intenso que a gratuidade do descaso. E assim, entre dores e clamores, ficou o respeito e admiração por essa terra que já entendo ser um pouco minha também.

Pensei, repensei, e mesmo correndo o risco vou abrir esse espaço para o sorriso franco, para a sabedoria, para o carinho que nada pede em troca, para a lucidez que transpõe as barreiras cruéis do tempo, e ainda que esses poucos anos de Pedro Afonso tenham me feito conhecer um número expressivo de histórias e de personagens, nenhum deles, isso em minha simplória opinião, apresenta a completude desse pequeno gigante, nascido sob o signo da força e da honestidade. É em nome desse octogenário, piauiense, natural de Oeiras, que talvez nem saiba, mas que em mim tem um admirador incondicional, que deixo meu abraço a todos os relevantes nomes dessa terra, José Pereira Veloso, saiba que ainda que você nada diga sua história, por si só, é testemunha de sua grandeza, sua existência é um incentivo silencioso para as lutas diárias.

E assim como menciona a história, á água de um rio nunca é a mesma, e ao cair da tarde de 11 de julho de 2013, me deparo com a beleza de um rio Sono que não se cansa, e essas águas, a exemplo dos pedroanfonsinos, banham e abraçam inúmeras gerações de nascidos e adotados. E o que fica de certo, é que assim como o sol que aos poucos se põe por entre coqueiros e outras espécies, aos 166 anos, a centenária Pedro Afonso se repagina, se reinventa, se modifica... E a cada novo alvorecer brota a certeza de que ainda que não seja até o findar de meus dias, o tempo que aqui ficar terá valido a pena, porque um importante capítulo de minha história foi escrito por entre as águas do sono, os casarões da Anhanguera, as salas do Cristo Rei, os carnavais da Lysias Rodrigues, os sorvetes do Didi, as entrevistas com professora Odina, os papos com o amigo Tenório, ou as piadas de Calid... Aqui me fiz mais politizado, mais atuante... Pedro Afonso querida, ainda que não sejas o berço amado onde nasci, és o leito macio onde repouso... Muito obrigado... Desse forasteiro que te ama muito...

 

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