Luciene de Sousa Ribeiro
Licenciada em Letras e Mestre em História das Populações Amazônicas
Durante minha pesquisa de mestrado, em que investiguei e documentei a trajetória de dom Jaime Collins , visitei o convento da Congregação do Santíssimo Redentor, cujo membros são conhecidos como missionários redentoristas, em Fortaleza (CE), e lá encontrei o padre João Myers, um dos quatro missionários redentoristas irlandeses que foram pioneiros no Brasil. Eles chegaram em Pedro Afonso (TO) em 1960, atendendo a uma antiga reivindicação de dom Alano du Noday, então bispo de Porto Nacional (TO).
Já havia lido algumas crônicas e artigos que padre João havia produzido, sobretudo nos primeiros anos da missão, e depois também um texto que era a transcrição de uma entrevista que ele havia concedido ao padre Felipe Hearty, em 1996, onde padre Myers relata a sua trajetória de vida, por sinal bem interessante. Eu havia feito algumas tentativas de encontrá-lo no sertão do Piauí onde morava, antes e durante a minha pesquisa. Em todas essas tentativas ocorreram incidentes, da minha parte ou da dele, que impediram de nos encontrarmos. Em 2020, tive, equivocadamente, a informação de que ele havia regressado à Irlanda, ou seja, quando fui ao Ceará, em 2021, não tinha a menor perspectiva de encontrá-lo. Entretanto, assim que cheguei ao referido convento, perguntei a um funcionário sobre quais padres estavam em casa e para minha surpresa tive a informação de que ele era um dos residentes no referido convento.
Logo após, eis que uma porta se abriu e surgiu um homem com um terço na mão, magro, alto, apesar de um pouco envergado ainda andava com passos firmes. Por alguns instantes fiquei parada, olhando aquele homem de cabelos brancos, cuja história eu já conhecia através dos meios que mencionei anteriormente. Também algumas vezes vi meu pai perguntar por esse padre João aos padres que hospedavam em nossa casa na Comunidade Pé do Morro (mencionado abaixo), na zona rural de Lizarda, assim como de outros que haviam passado na região.
Natural de Killarney, na Irlanda, padre João nasceu em 18 de agosto de 1930 e por ser de origem rural, se adaptou bem ao sertão do Brasil a ponto de sentir-se desconfortável quando teve que deixar o sertão do norte goiano e assumir uma nova missão na capital cearense, ainda nos primeiros anos (MYERS, s.d.).
Conforme abaixo, padre João relembra os primeiros anos de suas “desobrigas” (missões) pelo sertão sobre o lombo de um cavalo por cerca de vários dias, cada dia em uma comunidade, sendo que as confissões duravam até a madrugada, porque o povo não tinha outra oportunidade durante no ano.
O burro era a terceira pessoa nas viagens de desobriga. Dizem que burro só trabalha para matar o dono. Mas Jesus uma vez precisou de um par de burros, nos protegia. Do ponto de vista do burro, a empreita não tinha muito futuro: carregar um irlandês gordo légua sem fim, pela Serra da Cangalha e Primavera, pelo Piabanha e Pé do Morro, tantas e tantas léguas, por tantos lugares escondidos, enterrados na imensidão do Sertão, tanto sobe e desce, sobe e desce. Ai, ai, meu Deus! (MYERS, s.d., p. 46).
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Lembro-me das confissões. Aquelas filas enormes que iam até uma ou duas da madrugada. O sono chegava. Padre e povo piscavam! E nenhum se entregava. O povo porque queria, fazia um ano... Só vou de novo daqui a um ano. E as filas continuavam. O padre levantava a vista o bastante para ver os pés na fila. Quando um se ajoelhava, outro par de pés tomava a vaga. – Ó meu Deus, será que esta fila não acaba nunca? Mas sempre acabava, lá pelas duas da madrugada (MYERS, s.d., p. 47)
Do mesmo modo, padre João descreve o que via em uma linguagem própria do sertanejo, mas carregada de poesia: “E encontrava um horror de redes armadas até nos galhos dos paus mais altos, e os chocalhos dos animais, que na boca da noite, faziam uma forte sinfonia no peador, agora se desculparam na distância” (MYERS, s.d., p. 48).
Enfim, padre João é um homem histórico, desde a sua chegada ao Brasil (Pedro Afonso) se interessou pelos problemas sociais do povo brasileiro, sobretudo do homem do campo. Da mesma forma, sempre buscou meios de ajudá-los, em todos os lugares por onde passou.
Parabéns, padre João, pelos seus 92 anos de vida!
Fonte: https://www.redemptorists.ie/
REFERÊNCIAS:
MYERS, João. Memórias de um dos padres fundadores. In: Congregação do Santíssimo Redentor (CSsR) – Vice-Província de Fortaleza (org.) Pinceladas de uma caminhada 1960 – 1985. [s.n.] [s.d], p. 44-49.
______. [Depoimento]. Destinatário: padre Felipe Hearty. Miracema, 02 fev. 1997. 1 depoimento.