Cidades

LIBERTAÇÃO DOS JEGUES

Um dia para celebrar a resistência e a liberdade do povo de Pedro Afonso

13/05/2021 22h08 - Atualizado em 21/05/2021 08h52

Henrique Lopes

Uma palavra que poderia muito bem definir a história de Pedro Afonso é a resistência. Uma das cidades mais antigas do antigo norte goiano, hoje estado do Tocantins, tem sua trajetória marcada pela luta da comunidade que presenciou momentos marcantes da história do estado mais novo do país.

Seja nas lembranças do rastro de sangue deixado por jagunços e cangaceiros, na dor das vítimas do acidente de avião de 1975, na reconstrução da cidade após a enchente de 80, Pedro Afonso resistiu aos anos de dificuldades como quem se inspirasse em jegues, conhecidos pela força, paciência e resistência.

Em pleno o ano de 1968 o município de Pedro Afonso apresentava, mais uma vez, sua força na busca pelo desenvolvimento ao protagonizar um dos momentos mais importantes da história da cidade: a "Libertação dos Jegues”. O acontecimento pareceu ignorar os regramentos da ditadura militar, ao fazer ecoar pelo país a palavra liberdade, ao tempo em que as matérias e informações da inauguração do sistema de abastecimento de água da pacata cidade ganhavam destaque em todo o país.

Em 13 de maio de 1968, os pedroafonsinos se reuniram onde atualmente é a Praça Coronel Lysias Rodrigues, para celebrar a “Libertação dos Jegues” e a realização de um sonho: a água encanada. A benfeitoria foi entregue pelo então prefeito Ademar Amorim, acompanhado do governador do estado de Goiás Otávio Lage de Siqueira, tendo como plano de fundo o som da banda de música da Escola Naval do Rio de Janeiro.

Quem acompanhou, mesmo que criança, o dia em que os jegues deixaram de lado os balaios em que carregavam água para se vestirem com trajes de gala e desfilarem na principal avenida da cidade lembra com carinho deste momento. Simião Correia de Sousa, que anos depois chegou a escrever uma peça intitulada A "Libertação dos Jegues”, revelou que os jegues foram os desbravadores de Pedro Afonso no sentido de desenvolvimento hídrico. "Foram eles que carregaram todo o desenvolvimento na cidade por décadas, no lombo, com a distribuição de água”.

Simiao lembrou que entre os “heróis” responsáveis por levar agua encanada às casas de Pedro Afonso estão os irmãos Altenir e Zeus. “Eles moravam perto do Mané Barros, eram funcionários da Saneago. Foram os dois que estiveram desde o início da escavação para a rede de Pedro Afonso. O Altenir era o encanador e o outro, Zeus, era o que abria os buracos”, revelou.

A memória afetiva do dia em que os jegues foram libertos é guardada por anos pela costureira Lenir Resplande, que descreveu a emoção da comunidade ao ter água encanada pela primeira vez. “A caixa d’água encheu e todos fizeram uma grande festa para comemorar que tínhamos água. A água da caixa derramava e as pessoas banhavam alegres, pois não precisaria mais ir ao rio para fazer os serviços domésticos, pois agora tínhamos água na cidade”, relatou ao dizer que foi um dia lindo.

Carregadores de água
Antes da “Libertação dos Jegues”, o dia de alguns pedroafonsinos como Luis Caifás, Pedro Gago, João Neném, Velho Zuza e Zacarias Lopes, conhecidos como carregadores de água, começava cedo na beira dos rios Sono e Tocantins. Filhos de Zacarias Lopes, Raimundo Lopes e Antônio Lopes (foto), mais conhecidos como “Nena” e “Toin”, revelaram que passaram a infância carregando, junto com o pai, água para abastecer as famílias de Pedro Afonso. “Todos os dias a gente saia às 7 horas da manhã para pegar água dos rios. A água do rio Sono era para beber, a do Tocantins para fazer comida”, disse Nena. "Marcou meu primeiro emprego. Aos nove anos trabalhava com mais ou menos de 6 a 8 jumentos. Nós colocávamos 36 cargas de água por dia nas casas”, completou o irmão Toin, ao mostrar orgulhoso a foto principal dessa matéria onde aparece no lombo de um jegue.

Passado a ser valorizado
A relevância histórica da data para a comunidade de Pedro Afonso parece cair, às vezes no esquecimento. A professora aposentada e ex-primeira dama de Pedro Afonso, Odina Maranhão Sá de Andrade, afirmou que para as gerações que viveram a “angústia” de não ter água em casa e receberam a dádiva foi muito valioso.

"Também para a geração que administrava, os mais velhos, a Prefeitura, Governo do Estado, na época Goiás, foi de suma importância. Um marco na vida da cidade, do seu povo, uma conquista para a administração Ademar Amorim e auxiliares, e para as famílias , principalmente por ser numa época em que tudo era difícil”, explicou ao dizer que lamenta não haver celebrações comemorativas para a data. "Hoje, poucas pessoas valorizam o que passou. Uma pena nossa ignorância em relação à própria história”, lamentou.

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