Educação e Cultura

OPINIÃO DO LEITOR

Milhas e milhas da pandemia

31/07/2020 16h26 - Atualizado em 06/08/2020 15h16

Gustavo Wanderley Santa Cruz é Advogado e servidor público estadual

Nas palavras de Humberto Gessinger em sua clássica música “Terra de Gigantes”, de 1987, “Todo mundo é uma ilha há milhas e milhas de qualquer lugar”. Este era o grito de lamentação da geração X, visivelmente aflita, porém inserida em um novo modo de vida, mais dinâmico e individualista, impulsionado pelo crescimento avassalador das grandes metrópoles, devido às mudanças econômicas do final do século passado.

O tempo passou, mas a música não envelheceu, ao contrário, o grito agora ecoa mais forte que antes, pois nunca fomos tão articulados, instruídos, diplomados, e informados, e ao mesmo tempo solitários. A cada dia a convicção de ser autossuficiente é mais comum entre a nova leva de jovens, cheios de energia e sedentos de vida, acessando cada vez mais cedo a escola, se formam em tenra idade, e acumulam inúmeras qualificações, antes mesmo de poderem extrair uma mínima cota de maturidade para aplicar com sensatez todo o conhecimento absorvido.

Atualmente, estamos sujeitos aos liames das mídias sociais, onde tudo é cada vez mais digital e menos físico. Possuímos mais informações sobre o dia a dia de influenciadores digitais, ou melhor, “ostentadores digitais”, ao invés de termos conhecimento sobre nossos parentes próximos. Sabemos cada vez mais curiosidades sobre nossas séries e programas favoritos, em contrapartida desconhecemos quase que completamente a vida de nossos verdadeiros amigos. Passamos mais tempos na internet comprando, jogando, ou assistindo um vídeo qualquer; do que nos reunido com pessoas próximas. Nas raras vezes em que isso acontece, grande parte de nossa atenção fica voltada para o visor de nosso celular.

Nada contra quem usa suas mídias e tem uma participação ativa no mundo digital, até acho esse um meio de diversão e interação rápida diante da correria e do caos da vida no século XXI; mas se há uma lição para se tirar diante dessa nova ordem social imposta pelo Covid-19 é de que a natureza não pode ser controlada, independente de nossa formação, situação econômica, nacionalidade, etnia ou ideologia.

A herança que os olhos, mentes e corações atentos poderão obter desses dias de quarentena em que o mundo parou, estará presente no valor do tempo, das coisas, e pessoas. Os sites e aplicativos de relacionamento, por anos a fio viabilizaram a interação digital em detrimento do contato físico. Este período de quarentena nos mostrou que nada substitui o abraço de um ente querido, e o calor de uma roda de amigos.

Dedicávamos grande parte do tempo em seguirmos pessoas nas redes sociais, que ostentam vidas luxuosas de compras, festas, e procedimentos estéticos, mas essa pandemia nos mostrou que os verdadeiros influenciadores são os pensadores que através de artigos científicos, literatura, música, cinema, e outros diversos tipos de artes, além é claro das ciências, tem o dom de nos informar, fazer refletir, se inspirar e nos acalmar neste momento de medo de tantas preocupações.

Em suma, essa pandemia serviu para mudar nosso olhar sobre cada elemento da vida. Tomara que possamos aprender a traduzir isso em palavras e atitudes que façam a existência se tornar mais útil. A ironia disso tudo é que há anos ensaiamos sistematicamente a substituição do contato humano, através de novas tecnologias, e justo quando um vírus nos obriga a mantermos isolamento social, chegamos à conclusão que o mundo é aquilo que está a nossa volta e não a ilha que vivemos há milhas de qualquer lugar.




  

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