“...Veja, meu bem, gasolina vai subir de preço
Eu não quero nunca mais seu endereço
Ou é o começo do fim ou é o fim...”
Com sublime verossimilhança, a canção escrita por Vital Farias, em 1980, e imortalizada por Elba Ramalho, retrata o momento crítico econômico dos anos finais de “chumbo”, bem como o momento atual da vida brasileira.
A greve dos caminhoneiros vivenciada nos últimos dias expõe fortes traumas e conflitos da sociedade brasileira. Fortes signos e valores são deturpados por uma minoria que visa utilizar a imensa maioria, como massa de manobra, a fim de atingir seus objetivos.
Reforma tributária, redução do valor da gasolina, redução do valor do gás de cozinha, corrupção... etc. quem é contra? Inclusive quem vos escreve é ferrenho subscritor destas bandeiras! Todavia, a elite não é boba! Ela bem sabe usar estas pautas populares, a fim de atingirem seus objetivos!
Ora, que dia o diabo aparece e diz: “olá, eu sou lúcifer!” Nunca. Desista. Portanto, há enorme astúcia neste movimento, dito popular.
Pois bem... O gigante acordou. Mas não foi o povo! E sim o golias “filisteu”! Haja vista, as forças que coordenam, organicamente, tais manifestações.
Alguém já viu manifestação de trabalhador? Sim... Viu sim. Mas e com apoio de patrão e empresário? Nunca! Perceptível o lock-out, (movimento grevista de empresariado) vigente no país, diga-se de passagem, proibido por lei (artigo 17 da Lei 7.783/1989), com caminhoneiros, como “bucha de canhão”, para chantagear um governo moribundo, aguardando apenas a hora do sepultamento, dos quais 30% são autônomos, e os demais, corporativistas, 70%, implantam um movimento paredista possível, apenas por conta do apoio patronal.
Ora, caro leitores, para não lhes cansarem, serei didático no raciocínio, de modo que a contextualização, refuta falácias, retóricas e paixões ideológicas, urgindo graves evidências.
A sociedade foi construída com movimentos, ditos “populares”, e em até certo ponto foi, que por fim, defendeu interesses elitistas. A revolução francesa, no século 17, tem raízes no descontentamento da terceira classe, a base da pirâmide social, composta sinteticamente, por artesões, servos, camponeses, proletários e a burguesia (comerciantes, ainda que alguns ricos, não ascendiam na estrutura social), com o regime político vigente à época. Em apertada síntese, a 3ª classe sustentava as demais, a saber, nobreza e clero, por meio de impostos, sem a devida contraprestação. A burguesia, detentora de capital financeiro, com vistas ao rompimento desse regime e, sobretudo, subir no status social, utilizou valores e anseios populares, consubstanciados no lema LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE. Pois bem, feita a revolução com o sangue e suor dos “desdentados”, trabalhadores humildes e analfabetos, a burguesia toma o poder, destitui e mata o rei Luis XVI, em disputa interna, os burgueses girondinos (direita) temendo a radicalização popular, aplicam um golpe nos burgueses jacobinos (esquerda), instituindo a fase do Diretório, desembocando na Era Napoleônica, por meio do “18 de brumário”. Ora, ora... O que era para ser um levante do povo pelo povo, nada mais foi que a tomada do poder pela burguesia em detrimento da nobreza feudal!
No Brasil, não nos faltam exemplos. A revolução de 1932 urge do contragolpe da elite paulista, esta oligárquica e escravocrata, representante da velha república, marcada pela política café com leite, busca rebater o golpe sofrido por Getúlio Vargas, este apoiado por políticos mineiros, gaúchos e paraibanos, visando à retomada do poder, conclamam, ora, ora... A POPULAÇÃO, sob a bandeira patriótica e ufanista de uma nova constituição, com direitos sociais de pano de fundo. Todavia, os ditos “constitucionalistas” fracassaram e algumas mudanças sociais vieram mais tarde, das mãos do “governo inimigo”.
Pois bem, meus caros! Fechada a negociação de ontem, alguma pauta social dos empresários... digo... “caminhoneiros”, foi ao menos posta à mesa? Redução da gasolina, gás de cozinha e outros anseios da esmagadora maioria? Vistos os 8 itens do principal acordo divulgado na última semana, ficou escancarado o interesse do baronato dos transportes. Conseguiram até golpear a lei das licitações, pondo a faca no pescoço do governo, obrigando-o a licitar junta à Companhia Nacional do Abastecimento (CONAB), até 30% sem licitação, isto é, poderá o governo, a partir de então, licitar fretes mais caros à administração pública. Além disto, conseguiram redução do DIESEL, tabelamento mensal do DIESEL, tabele mínima de frete, mais algumas negociatas.
Como dizia Marcelo Rezende, “agora eu te pergunto”, a qual senhor servirá tais medidas? O povão anda de diesel? A redução atingirá o preço dos produtos do consumidor final? Façamos as contas e vejamos os resultados...
O acordo feito ontem custará ao tesouro nacional, mais conhecido como POVO BRASILEIRO, 10 bilhões de reais que serão conseguidos via créditos extraordinários. Trocando em miúdos o linguajar contábil, o governo será autorizado pelo congresso nacional, a tirar da educação, saúde, segurança ou qualquer área que achar pertinente, recursos para bancar o subsídio do DIESEL, e tão somente deste combustível!
Auto lá... Mas isso beneficia indiretamente a população! Calculemos: Redução do DIESEL + Aumento do valor do Frete = MELHORIA DA MARGEM DE LUCRO. Só que com 2 agravantes à população... O primeiro já apontado, por meio do financiamento do fim da greve pelo próprio povo e segundo, por uma forte onda especulativa que já assombra os preços das bombas de combustíveis, prateleiras de farmácias e gôndolas de supermercados, ante os aplausos de uma parcela incauta ou condescendente com este acinte à população.
Pois bem, a falta de um amplo modal ferroviário de baixo custo, revisão sistema tributário, a ampla oferta de crédito na última década que elevou a oferta de veículos de frete no país e a política de preços da Petrobrás são assuntos que podem ser abordados em outro momento, com suas especificidades. Já temos muito pano pra manga... Como disse Luiz Fernando Veríssimo, “No Brasil, o fundo do poço é apenas uma etapa.” Odorico Paraguassú, ilustre personagem da telenovela “O Bem Amado”, de 1973, talvez tenha vislumbrado o atual momento, dizendo ele: “Como dizia Castro Alves: ‘Bendito aquele que derrama água, água encanada, e manda o povo tomar banho’.”
Por fim, não confundamos alhos com bugalhos. O povo clama por mudanças e melhorias sociais, mas alguns aproveitam da carência da população e sua propensão à catarse, a fim de contemplarem suas pautas particulares, pois “essas feridas da vida amarga a vida”, e tomo licença de Vital Farias, para inserir uma interrogação no final da estrofe de abertura, da canção tema deste artigo: “Ou é o começo do fim, ou é o fim???”
Danilo Santiago Barbosa
Agente Penitenciário do quadro efetivo do estado do Tocantins.
Atualmente é acadêmico de Direito na Faculdade de Guaraí – FAG.
[email protected]