Lia Raquel
Eram jovens ainda quando se conheceram. Como dois apaixonados, seguiram aquela fase ‘romântica de ser’: namoraram, ficaram noivos e se casaram. Tiveram filhos e netos. Inventaram sonhos. Construíram uma vida.
Abruptamente ideais foram interrompidos e muitos sonhos ficaram pela metade. A doença levou aquele Senhor ao pó da terra. A sua amada foi levada também, mas pela saudade e pela dor quase intermináveis. A vida, antes colorida, agora permanecia escura. A primavera de sentimentos sempre tão presente no lar dos dois foi tomada por doses invernais de tristeza e lágrimas carregadas de tortura.
A cadeira de balanço, antes usada por ele, seguia inerte e sem função. Os jornais, outrora lidos e rabiscados, estavam jogados no canto da sala. O cachecol xadrez e a bengala desgastada já não mais eram usados. A velha boina, guardada desde a época dos primeiros anos de casamento, mantinha-se no suporte próximo ao guarda-roupa.
O pesar era grande e as lembranças também. Eles viveram por muito tempo sendo “um”. A morte chegou sem aviso prévio e seguir com essa notícia foi fatigante o suficiente para acorrentar o coração daquela que ficara.
A alma da senhora apaixonada estava cansada. Sua coluna parecia sopesar ainda mais. O seu auxílio para andar era o ombro do amado, doravante precisava dos móveis como apoio. Nada fazia sentido. O sentido estava morto. Sua poesia, presentemente estava fúnebre; seus versos, adormecidos. Seu sentimento era incapaz de seguir sozinho. Seus braços chamavam por aqueles braços fracos, envelhecidos, mas que eram seus, totalmente seus.
Os cabelos dela pareciam clamar pelo cafuné recebido todos os dias depois do lanche das cinco. Agora, apenas uma xícara, uma colher, um prato. Agora, um guardanapo, uma toalha, uma escova de dente. Aquele conjunto de objetos a martirizava de uma forma inexplicável!
Com o passar das horas, a alma permanecia em silêncio, mas o coração não parava de gritar. Ela se deu conta de que, se ali ele estivesse, jamais quereria vê-la com os olhos lameados de pranto. Ela não o tinha mais ao lado, mas muitas eram as lembranças. A história dos dois foi tão intensa e agradável que deixou marcas de um amor capaz de superar até a mais horrenda dor.
Lá estava a Senhora acariciando o porta-retratos com a última foto tirada em vida – ela sorrindo de forma espontânea e ele a rodeando com um abraço afetuoso. Cenas daquele amor puro, verdadeiro e infindável demoravam em sua mente. As marcas da história deles continuavam vivas.
O outono parecia ter chegado àquele lar. As recordações estavam todas no chão daquele coração solitário, mas a árvore do afeto permanecia em pé e assim seguiria no rumo das coisas boas que vivenciaram.
O coração daquela Senhora enamorada passou a ter a certeza de que na eternidade os dois se encontrariam. Quando e como, ela não sabia, mas enquanto isso decidiu ficar acompanhada, não pela solidão, mas pelos doces, preciosos e amoráveis momentos que desfrutaram juntos. Coisas de amor.
PS: Baseado em uma história real.