Lia Raquel Mascarenhas Lacerda
Pedroafonsina, Bacharela em Direito e Escritora
A iniciativa partiu de Sabino. Ele, categoricamente, enviou convites aos seus amigos para que todos estivessem ali naquela tarde. Outra vez marcava um encontro, só que agora fora dos livros. O local foi escolhido pelos poetas e não poderia ter sido outro – Confeitaria Colombo, Rua Gonçalves Dias, nº 32, Centro, Rio de Janeiro (lugar favorito deles para uma boa prosa!). O motivo? Discutir sobre o futuro da poesia.
Aos poucos os amantes da escrita foram se acomodando nas cadeiras em estilo barroco. A decoração do ambiente favorecia a tarde. Os azulejos muito bem trabalhados pareciam combinar com as doçuras servidas. A felicidade se fazia presente. Era muito óbvia a presença dela no rosto de todos. Até Clarice Lispector serrava os lábios com um sorriso.
Foi um dia euforicamente especial por tudo, tudo mesmo. Poetas e escritores de todas as épocas e tempos festejavam juntos com caneta e papel na mão. “Farra boa é a de verso!”, soltava Olavo Bilac da sua mesa ao fundo. “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo aqui com vocês”, poetizava Drummond. Assim, um por um, nos minutos que se seguiam, manifestava sua alegria por aquele momento histórico.
Manuel Bandeira não compareceu, mas justificou sua ausência: estava em Pasárgada com o rei. Gonçalves Dias já havia voltado do exílio e agora podia olhar lá fora e declamar: “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Outros questionavam Machado de Assis se Capitu havia traído ou não o Bentinho. Machado os tranquilizava e não oferecia a tão esperada resposta. Ele se levantava e mudava de cadeira a cada dez minutos. “Matamos o tempo, o tempo nos enterra”, reafirmava ele ao se lembrar de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Por isso aproveitava tanto o tempo; fazia questão de cumprimentar e conversar por alguns instantes com cada colega.
Cecília Meireles, Raquel de Queiroz e Lygia Telles articulavam ideias e crônicas na mesa rente ao balcão principal. De longe era possível ouvir gostosas gargalhadas. Cora Coralina e Lya Luft se juntaram a elas – deram uma passadinha por lá já na metade do evento.
Raimundo Moreira aproveitou a oportunidade e apresentou o lado sofístico da vida a todos os seus companheiros. Ruth Manus chegou com um monte de anotações (suas pautas do Estadão) e esbanjava uma empolgação que logo contagiou a “galera dos livros”. Carpinejar já entrou com a certeza de que “quando estamos sozinhos, somos pela metade”. Ali ele se sentia inteiro e logo acenou para Vinicius de Moraes que, como de costume, escrevia um poema no guardanapo. Mario (sem acento mesmo) Quintana foi aplaudido de pé quando, ao ser questionado pelo rumo da poesia e poemas, disse: “Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um”.
A poesia deveria ser (re) inventada todos os dias. Ela é cíclica como a vida. Fernando Sabino, sem demora, queria agendar o próximo encontro. É claro que todos concordaram e, novamente, queriam que fosse na Colombo. Poderiam até mudar, mas apenas a sequência dos doces. O local não.