Wellitânia Rocha é pedroafonsina, turismológa e mora atualmente em Santa Catarina
A milhares de quilômetros de tudo aquilo que conheci a vida toda como sendo meu mundo, minha cultura, minha comunidade, o dedilhar no teclado busca ansioso por notícias on line que me tragam a breve sensação de que não estou totalmente distante de minha terra ou ao menos do que guardo em minhas memórias sobre o estilo de vida, as paisagens e as tradições que tanto amo. No entanto, cada clique no teclado, cada página do Centro-Norte Notícias virada passo por emoções que vão da euforia ao temor à medida leio sobre a realidade atual da cidade e da região que outrora vivi.
Como uma passageiro em uma viagem de retorno ao lar que senta na janela do ônibus e observa as mudanças que o tempo trouxe aos caminhos que antes lhe eram velhos conhecidos espero e reajo a cada situação como se minha alegria ou tristeza dependessem do próximo cenário a se descortinar no transcorrer da viagem. Fico exultante de alegria quando percebo quantas ruas se abriram, quantas casas se ergueram, quantos rostos novos surgiram. Dou risadas ao lembrar que a famosa “Rua Nova”, antes um dos pontos mais distantes de minha casa, hoje fica logo ali; o Ribeirão do Poção, onde íamos tomar banho e lavar roupas, quase sempre de bicicleta e ficávamos exaustos pela distância agora parece pertinho. O progresso alargou os horizontes e abriu passagem para uma nova Pedro Afonso.
As mazelas do crescimento são o que há de pior para quem vive em uma cidade que respira tranquilidade, gentileza e bem viver. As atrocidades que antes só eram pensadas ao ouvir o noticiário na TV falando da cidade grande, que nos causavam terror em imaginá-las são vistas e vivenciadas de modo tão corriqueiro que confundem a cabeça levando a questionar sobre onde essa explosão de violência começou ou como chegamos a esse ponto?
O ato de deixar a porta da casa encostada durante a noite para os filhos que chegavam tarde das festas; as longas conversas sentadas na porta com os vizinhos noite a dentro; a cordialidade de tratar todo desconhecido como um amigo de longa data são hábitos que vão sendo abandonados para dar lugar ao medo, a desconfiança. Afinal, é aqui, acolá, ali do lado que roubaram uma casa, esfaquearam um morador, ou que de alguma forma aquela violência da televisão se mostrou concreta para o pedroafonsino. As drogas fazem seu papel com perfeição levando ao tráfico, ao vício e à degradação alguns amigos que parecem irreconhecíveis quando os encontro anos depois. Em meio a essa escuridão que nos encurrala, nos deixa refém em nossa própria terra vemos mudar o ambiente. A praça que na minha infância todas as tardinhas tinha pais passeando com seus filhos que corriam para brincar nos balanços e nos outros brinquedos; que na adolescência tornou-se o ponto de encontro onde íamos após a missa passeando pela Sorveteria do Didi, pela danceteria do Zé Combas, pela Cecília, pelo Pit Drinks já não existe. Os bancos da praça já não são nomeados, os brinquedos já não estão lá e os passeios na praça ficaram só na minha lembrança.
A primeira vez que essa violência me tocou foi quando numa manhã vi todos os vizinhos alvoroçados e assustados pelo assassinato de uma rapaz cujo único erro foi tentar separar uma briga. Ele se foi deixando órfã uma menininha de 3 anos. De lá pra cá, revejo o olhar daquela criança a cada vez que leio e ouço sobre atos de crueldade, crimes e a instabilidade da segurança que tem acometido minha terra.
O tempo sempre traz mudanças e querer que tudo seja como há tempos atrás seria desrespeitar todo o desenvolvimento que Pedro Afonso alcançou. Porém, acreditar que podemos ver as melhorias acontecerem tendo a segurança para minimizar os males que o progresso traz, que podemos viver tendo a sensação que nossos filhos terão o melhor da modernidade aliado ao nosso jeito único de viver é um trabalho que devemos buscar diariamente.
Essa esperança me alegra e renasce quando leio sobre o AMA, sobre os shows de talentos realizados, sobre todas as conquistas que o povo pedroafonsino tem feito e levado aos quatro cantos do país. As ações que fortalecem nosso povo renovam a certeza de que mantemos o mais importante: a essência. Temos nossas raízes, somos capazes de construir do modo que quisermos a história de nossa região, ainda que para isso tenhamos que aprender um novo caminhar, onde cada um é parte de um todo que luta diariamente pela garantia de uma comunidade mais responsável, segura e consciente do que quer para o lugar que escolheu como seu lar. A época em que todos se conheciam pelo simples ato de perguntar - “Menina, quem é mesmo tua mãe?” – fica somente na memória, mas a certeza de se reconhecer na garra, no jeito e na cultura de nossa terra, isso é para sempre e vale ser preservado.