Educação e Cultura

Carta de Repúdio ao prefeito de Fortaleza do Tabocão

12/02/2015 16h32 - Atualizado em 12/02/2015 16h36

Zires Marinho Leão – Professor em Fortaleza do Tabocão

Caro ilustríssimo Sr. prefeito,

Ouvi sobre a sua ignorância dos motivos de nossa reivindicação salarial, e me senti compelido a esclarecê-lo (vício da profissão de professor, eu suponho). Peço desculpas se o meu português é ruim ou se a sequência das ideias é falha, mas esse é o meu valor. Se eu fosse mais capaz, estaria em uma profissão que me valorizasse mais. Seria ascensorista no Senado, por exemplo (ah, que sonho!). Como diria um desempregado que conheço, ”quem mandou estudar, agora aguente”.
Falo de boca cheia, o Sr. diria. Argumentaria que recebo muito mais do que a grande maioria da população brasileira, e eu lhe responderia que são poucos os cargos federais que pagam menos do que o magistério, que existem cargos de nível médio no executivo federal que pagam melhor do que os professores doutores recebem. E que o professor é importante para o crescimento da nação (aprendi isso no debate da Dilma candidata - pareceu que ela realmente dá muito valor ao magistério. Que é uma mentira, mas Votei nela).

Mas magistério é um sacerdócio, não é mesmo? É uma profissão feita de abnegação. O que mais explicaria um médico desistir de clinicar para receber o salário de professor? Bom, talvez se ele fosse um médico excepcionalmente ruim, daí o salário de professor compensasse. Então ele poderia ser um bom professor.

O grande motivo da nossa revolta, sr. Prefeito, é a busca por valorização profissional. Tenho vários colegas professores cujo sonho de vida, hoje, é passarem em concurso para o MP-TO, ou para o Judiciário, e eu, quem sou eu? Para mim, economicamente falando, me bastaria o emprego de ascensorista no Senado.

O sr. tem filhos, Sr. Prefeito? Netos, talvez? Almeja uma educação com qualidade para eles? O Sr. sonha com uma sociedade educada? Culta? Sonha com o Brasil se destacando no mundo como o Japão fez depois da Segunda Guerra? Como a Coréia hoje?

O Sr. sabe quais são as minhas condições de trabalho, sr. Prefeito? Sabe que eu sequer tenho uma mesa para colocar a minha pasta quando eu entro para dar aulas? Sabe que eu, há dois anos, comprei um computador para dar aulas? Que nós rasgamos as calças ao sentar nas carteiras, por causa dos pregos? Que o computador pessoal que eu uso para dar aulas também saiu do salário que deveria ir para a minha família?

O Sr. imagina qual é a situação dos materiais em que eu utilizo para ministrar minhas aulas.

São péssimos, sabe o por quê? Porque os professores, por mérito pessoal e muito trabalho, trazem recursos de pesquisa para dentro da Escola (caramba, isso é desvio de recursos! Dá cadeia?).

O sr. sabe, é claro, que o perfil desejável do Professor é que ele seja especialista, mestre ou doutor, com dedicação exclusiva (é impedido de fazer bicos para completar o salário), pesquisador, orientador, e que além das aulas de graduação, forme Mestres e Doutores. Qual é o perfil do profissional que o sr. precisa para executar essa missão? Eu lhe digo. Esse profissional, economicamente falando, é alguém que não teve a competência para achar nada melhor para fazer com a sua vida. É alguém que não foi capaz de passar em um concurso para ascensorista do Senado. É alguém que não conseguiu ser agente de saúde quando terminou o segundo grau, por exemplo.
Sim, eu “tenho” carro e eu “tenho” casa. Eu me alimento bem. Meu carro é velho. Minha casa é velha também e eu ainda vou levar treze anos para pagar. Essas dívidas consomem quase 50% da minha renda familiar. Tenho que pensar antes de decidir sair para almoçar em algum lugar.

Bom, mas eu tenho uma perspectiva, não é? De progredir na carreira e melhorar meu salário? Perspectiva? não, não tenho. Não vejo nenhum futuro promissor. Essa carreira que o gestor me oferece não irá melhorar a minha vida, a não ser um pouco, no momento mágico da progressão em que eu me tornar professor associado, ou com a utopia de passar pra professor titular (a minha universidade não tem nenhum. Teve uma vez, nos meus 22 anos de funcionalismo.

Eu espero, apesar das minhas deficiências, que o Sr. tenha entendido um pouco do porque eu e 45 professores. Desculpe-me se eu não posso elaborar mais, mas tenho um relatório de pesquisa para terminar e alunos para atender, apesar da falta de salário digno. Se eu achar tempo, também preciso ver se abriu vaga para ascensorista.

Já se passaram da data de pagamento e hoje 12/02/2015 não recebemos e a cada dia uma mentira nova nos relatam, Diga quando vamos RECEBER?

Um grande abraço, sr. Prefeito, e obrigado por tudo.






Fortaleza do Tabocão 12 de Fevereiro de 2015;

 

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